Entrei na livraria aquele dia sem compromisso, gosto de acompanhar os lançamentos. Quando percebi uma consumidora indignada, vociferando ao namorado que aquilo era um absurdo eu já imaginava do que se tratava. Sidney Sheldon havia publicado mais um livro depois de morto. Lembro do dia em que, em 2010, fiquei um tempo digerindo o lançamento de A Senhora do Jogo, com o nome de Sidney Sheldon imponente escrito em letras laranjas, e logo abaixo, um tanto quanto pequeno o nome da real autora: Tilly Bagshawe. Minha revolta foi tão grande quanto a daquela moça, que vi na livraria ao surgir nas prateleiras brasileiras Anjo da Escuridão, terceiro livro escrito pela discípula de Sheldon. (Leia também sobre a nova obra de Tilly: Sombras de um Verão )
Acontece que no ramo literário é comum que famílias de autores falecidos transformem seus nomes em “marcas” e convidem algum novo autor, discípulo, para dar continuidade ao legado e aumentar ainda mais a fortuna. Tilly foi a escolhida, e vem dado certo.
O estopim inicial da história de Anjo da Escuridão (2010) é o assassinato de um rico negociador de artes da cidade e o estupro de sua jovem esposa, que, desfigurada, ficou amarrada ao corpo inerte do marido até a chegada de ajuda. O detetive Danny McGuire, da polícia de Los Angeles, encarregado de investigar o brutal assassinato, se vê as voltas de um caso sem solução quando a esposa, recuperada, doa toda a fortuna recebida de herança a orfanatos da cidade e some misteriosamente. Quando após alguns anos, frustrado com o desfecho da primeira investigação, agora atuando na Interpol e morando na França, Danny recebe a visita de Matt Daley, filho do homem assassinado, com informações sobre outros dois assassinatos com as mesmas características, homem brutalmente morto, mulher estuprada que doa toda fortuna para então sumir, o policial reacende a chama da esperança de finalmente capturar o assassino que de certa forma veio tirando seu sono ao longo dos anos.
Apesar de Anjo ser o terceiro livro assinado por Tilly com as características literárias de Sheldon, a escritora precisa tomar muito Biotônico Fontoura para chegar aos pés de seu mestre. Em uma tentativa de aliar a luxúria de Cinquenta tons, com a narrativa já um tanto quanto erótica de Sheldon, Tilly acaba por perder a mão.
A mulher de personalidade forte está lá, os homens que facilmente se apaixonam e se deixam levar também, um resquício de Conte-me seus Sonhos, com alter egos assassinos e vereditos inimagináveis também estão lá. Mas mesmo assim, ou a fórmula do sucesso morreu junto com Sidney Sheldon ou Tilly precisa ser um pouco mais original para conseguir convencer.
Entre suas milhares de personagens e narrativas paralelas, necessidade por situar o leitor com inúmeros cenários e diferentes históricos, ela acaba por desandar e fazer com que por vezes o leitor se pegue pensando “mas onde isso vai fazer sentido na história?”. E apenas nas 50 páginas finais de uma obra com 398 páginas é que tudo se amarra perfeitamente e você pensa: saudades do SS.